domingo, 22 de março de 2020

O Professor Clóvis Gruner é Essencial

Em editorial, “O Globo” sugeriu que os servidores públicos deem sua “cota de sacrifício”, aceitando cortes salariais para corrigir as enormes “injustiças sociais” do país, mais visíveis em tempos de crise (sim, os editorialistas e a família Marinho precisaram de uma pandemia para descobrirem que o Brasil é um país injusto e desigual). 

Deixo para os economistas, mais capacitados que eu, a tarefa de calcular quanto o governo investiria em hospitais e postos de saúde, além de garantir “renda a dezenas de milhões de pessoas que vivem na informalidade”, subtraindo os salários do funcionalismo público. 

Mas me permitam, mesmo sem ser economista, especular sobre outras medidas que fariam a diferença em tempos de crise, e poderiam auxiliar esse governo criminoso que aí está a corrigir as “enormes injustiças sociais” que a família Marinho finalmente descobriu que existem.

Cobrar das empresas sonegadoras, por exemplo, a dívida que, em 2015, ultrapassava 390 bilhões (https://bit.ly/2xVoIfv) - procurei, mas não encontrei, números atualizados. Só a Rede Globo, parte do mesmo grupo ao qual pertence o jornal “O Globo”, deve aos cofres públicos cerca de 360 milhões de reais (https://bit.ly/3dhOgDU). É muito dinheiro, certo? 

Sim, mas menos que a fortuna pessoal acumulada da família Marinho, que gira em torno de 2,5 bilhões, e os coloca no ranking dos 20 maiores bilionários brasileiros, do qual fazem parte meia dúzia de banqueiros (https://bit.ly/3deHNcO).

Mas nem os Marinho, nem provavelmente outra família que conste na famigerada lista, aceitaria qualquer coisa como a taxação das grandes fortunas, medida corrente em países como França e Noruega, prevista na Constituição de 1988, mas nunca regulamentada (https://bit.ly/2vFXXLo). Não é difícil supor as razões. 

Além disso, estudos evidenciam que o Estado arrecadaria algo em torno de 59 bilhões anuais se tributasse os lucros e dividendos distribuídos por grandes empresas, como as organizações Globo e os bancos, aos seus acionistas (https://glo.bo/3blvoSP). E por falar em bancos, apesar da crise que paralisa a economia brasileira, apenas os quatro maiores – Itaú, Bradesco, Santander e BB – lucraram 59,7 bilhões em 2019 (https://bit.ly/2J8SNe8). 

Um recorde, segundo noticiado pela imprensa, e um crescimento de 15% em relação ao ano anterior. Os números, que não foram mencionados pelo editorial de O Globo, dão razão ao poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht: o que é roubar um banco (ou quebrar a vidraça de um) comparado a fundar um banco? 

Ainda especulando. As igrejas, no Brasil, têm imunidade fiscal. O privilégio, que contraria o conceito de Estado laico, não tem ao menos servido aos fins que, em tese, o justificam. A ideia original era de que as igrejas teriam assegurado o direito à isenção pela sua função social. 

Não é o que se depreende frente a uma receita de 24,2 bilhões em 2019 (https://bit.ly/2UqC6QE), valor que tem servido principalmente para financiar a expansão dos templos e outros negócios milionários (como redes de rádio e TV). Além, claro, de multiplicar a fortuna pessoal de seus pastores (https://bit.ly/39cpYrN). 

A isenção, no entanto, não se estende a outros tributos. E apesar da arrecadação bilionária, templos evangélicos devem à Receita cerca de 460 milhões de reais (https://bit.ly/2WA3T3K), a maior parte em dívidas previdenciárias. Mas vamos manter a calma: Bolsonaro já avisou que o importante é “fazer justiça para os pastores”. 

Já me estendi demais, mas não encerro sem mencionar uma última medida. Em 2016, jornais como O Globo defenderam a aprovação da PEC 95, que impõe um teto de gastos e investimentos ao governo federal. Sabemos agora que, só em 2019, a saúde deixou de arrecadar cerca de nove bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional noticiados, entre outros e ironicamente, pelo mesmíssimo O Globo (https://glo.bo/2wuPw5V).

Aliás, vocês lembram quem foi contra a PEC em 2016? Os estudantes secundaristas que ocuparam escolas no Paraná denunciando, além da “PEC do fim do mundo”, também a Reforma do Ensino Médio. Nas redes e fora delas, eles foram atacados, com virulência, provavelmente pelos mesmos eleitores que, em 2018, votaram maciçamente em Bolsonaro.

Os estudantes estavam certos, claro, e a prova é que estamos agora pagando o preço do fracasso de um governo irresponsável e criminoso, eleito no vácuo político deixado pelo impeachment. 

E assistindo, quase impassíveis, donos de grandes fortunas usarem a crise e a irresponsabilidade do governo para blindarem seus próprios interesses em detrimento dos direitos de trabalhadores, públicos e privados.

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