Em editorial, “O Globo” sugeriu que os servidores públicos deem sua “cota de sacrifício”, aceitando cortes salariais para corrigir as enormes “injustiças sociais” do país, mais visíveis em tempos de crise (sim, os editorialistas e a família Marinho precisaram de uma pandemia para descobrirem que o Brasil é um país injusto e desigual).
Deixo para os economistas, mais capacitados que eu, a tarefa de calcular quanto o governo investiria em hospitais e postos de saúde, além de garantir “renda a dezenas de milhões de pessoas que vivem na informalidade”, subtraindo os salários do funcionalismo público.
Mas me permitam, mesmo sem ser economista, especular sobre outras medidas que fariam a diferença em tempos de crise, e poderiam auxiliar esse governo criminoso que aí está a corrigir as “enormes injustiças sociais” que a família Marinho finalmente descobriu que existem.
Cobrar das empresas sonegadoras, por exemplo, a dívida que, em 2015, ultrapassava 390 bilhões (https://bit.ly/2xVoIfv) - procurei, mas não encontrei, números atualizados. Só a Rede Globo, parte do mesmo grupo ao qual pertence o jornal “O Globo”, deve aos cofres públicos cerca de 360 milhões de reais (https://bit.ly/3dhOgDU). É muito dinheiro, certo?
Sim, mas menos que a fortuna pessoal acumulada da família Marinho, que gira em torno de 2,5 bilhões, e os coloca no ranking dos 20 maiores bilionários brasileiros, do qual fazem parte meia dúzia de banqueiros (https://bit.ly/3deHNcO).
Mas nem os Marinho, nem provavelmente outra família que conste na famigerada lista, aceitaria qualquer coisa como a taxação das grandes fortunas, medida corrente em países como França e Noruega, prevista na Constituição de 1988, mas nunca regulamentada (https://bit.ly/2vFXXLo). Não é difícil supor as razões.
Além disso, estudos evidenciam que o Estado arrecadaria algo em torno de 59 bilhões anuais se tributasse os lucros e dividendos distribuídos por grandes empresas, como as organizações Globo e os bancos, aos seus acionistas (https://glo.bo/3blvoSP). E por falar em bancos, apesar da crise que paralisa a economia brasileira, apenas os quatro maiores – Itaú, Bradesco, Santander e BB – lucraram 59,7 bilhões em 2019 (https://bit.ly/2J8SNe8).
Um recorde, segundo noticiado pela imprensa, e um crescimento de 15% em relação ao ano anterior. Os números, que não foram mencionados pelo editorial de O Globo, dão razão ao poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht: o que é roubar um banco (ou quebrar a vidraça de um) comparado a fundar um banco?
Ainda especulando. As igrejas, no Brasil, têm imunidade fiscal. O privilégio, que contraria o conceito de Estado laico, não tem ao menos servido aos fins que, em tese, o justificam. A ideia original era de que as igrejas teriam assegurado o direito à isenção pela sua função social.
Não é o que se depreende frente a uma receita de 24,2 bilhões em 2019 (https://bit.ly/2UqC6QE), valor que tem servido principalmente para financiar a expansão dos templos e outros negócios milionários (como redes de rádio e TV). Além, claro, de multiplicar a fortuna pessoal de seus pastores (https://bit.ly/39cpYrN).
A isenção, no entanto, não se estende a outros tributos. E apesar da arrecadação bilionária, templos evangélicos devem à Receita cerca de 460 milhões de reais (https://bit.ly/2WA3T3K), a maior parte em dívidas previdenciárias. Mas vamos manter a calma: Bolsonaro já avisou que o importante é “fazer justiça para os pastores”.
Já me estendi demais, mas não encerro sem mencionar uma última medida. Em 2016, jornais como O Globo defenderam a aprovação da PEC 95, que impõe um teto de gastos e investimentos ao governo federal. Sabemos agora que, só em 2019, a saúde deixou de arrecadar cerca de nove bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional noticiados, entre outros e ironicamente, pelo mesmíssimo O Globo (https://glo.bo/2wuPw5V).
Aliás, vocês lembram quem foi contra a PEC em 2016? Os estudantes secundaristas que ocuparam escolas no Paraná denunciando, além da “PEC do fim do mundo”, também a Reforma do Ensino Médio. Nas redes e fora delas, eles foram atacados, com virulência, provavelmente pelos mesmos eleitores que, em 2018, votaram maciçamente em Bolsonaro.
Os estudantes estavam certos, claro, e a prova é que estamos agora pagando o preço do fracasso de um governo irresponsável e criminoso, eleito no vácuo político deixado pelo impeachment.
E assistindo, quase impassíveis, donos de grandes fortunas usarem a crise e a irresponsabilidade do governo para blindarem seus próprios interesses em detrimento dos direitos de trabalhadores, públicos e privados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário