terça-feira, 22 de setembro de 2009



Quando eu não te tinha


Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima.
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor...
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu não me mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para ao pé de mim.
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Só me arrependo de outrora te não ter amado.


Fernando Pessoa

Um comentário:

  1. O Amor, quando se revela


    O amor, quando se revela,
    não se sabe revelar.
    Sabe bem olhar p'ra ela,
    mas não lhe sabe falar.

    Quem quer dizer o que sente
    não sabe o que há de dizer.
    Fala: parece que mente.
    Cala: parece esquecer.

    Ah, mas se ela adivinhasse,
    se pudesse ouvir o olhar,
    e se um olhar lhe bastasse
    pra saber que a estão a amar!

    Mas quem sente muito, cala;
    quem quer dizer quanto sente
    fica sem alma nem fala,
    fica só, inteiramente!

    Mas se isto puder contar-lhe
    o que não lhe ouso contar,
    já não terei que falar-lhe
    porque lhe estou a falar...


    Fernando Pessoa

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