terça-feira, 22 de novembro de 2016

Dica do Paulo Noviello




20 Lições do Século XX, por Timothy Snyder

No dia 16 de novembro de 2016, o historiador norte-americano Timothy Snyder publicou um texto público no Facebook em que apresenta o que ele acredita ser algumas lições possíveis das experiências totalitárias do último século. O contexto, claro, é a recente eleição de Donald J. Trump para a presidência norte-americana e os medos compreensíveis de parte da população quanto ao ressurgimento de forças nacionalistas, anti-semitas e abertamente racistas que foram parte inseparável do século XX.
Snyder é autor de alguns livros recentes que, rapidamente, tornaram-se referências no estudo da 2a Guerra Mundial e do Holocausto. Seus livros "Terras de Sangue" e "Terra Negra" são leituras obrigatórias sobre o período, assim como sua longa entrevista com o falecido historiador Tony Judt, publicada como "Pensando o Século XX".
Decidi, por sugestão do amigo e colega Maurício Santoro, traduzir o texto de Snyder para o português e republicar na íntegra aqui.
— — — — — — —
Por Timothy Snyder, Bird White Housum Professor of History na Universidade de Yale
Os norte-americanos não são mais sábios do que os Europeus que viram a democracia ceder diante do fascismo, do Nazismo, ou do comunismo. Nossa única vantagem é que podemos aprender com a experiência deles. Agora é um bom momento para fazê-lo. Aqui estão vinte lições do século XX, adaptadas para as circunstâncias atuais.
  1. Não obedeça por antecipação. Muito do poder autoritário é dado gratuitamente. Em tempos como esses, indivíduos costumam se antecipar sobre o que um governo repressivo vai querer e então obedecem sem precisar ser mandados a fazê-lo. Você já fez isso antes, não? Pare. Obediência antecipada ensina às autoridades o que é possível e acelera a não-liberdade.
  2. Defenda uma instituição. Siga os tribunais ou a mídia, ou um tribunal e um jornal. Não fale de "nossas instituições" a não ser quando fizé-las suas, atuando em seu favor. Instituições não protegem a si mesmas. Elas caem como dominós se não forem, cada uma, defendidas desde o início.
  3. Reforce a ética profissional. Quando os líderes de um Estado dão um exemplo negativo, exercer os compromissos profissionais se torna ainda mais importante. É difícil quebrar um Estado de Direito sem advogados e é difícil criar julgamentos arranjados sem juízes.
  4. Quando ouvir políticos falando, desconfie de determinadas palavras. Cuidado com o maior uso de palavras como "terrorismo" e "extremismo". Fique ligado/a para as noções fatais de "exceção" e "emergência". Fique com raiva do uso traiçoeiro de vocabulário patriótico.
  5. Fique calmo quando o impensável acontece. Quando vem o ataque terrorista, lembre-se de que todos os líderes autoritários da história esperam ou planejam eventos como esses para consolidar seu poder. Lembre-se do incêndio do Reichstag. O desastre súbito que necessita do fim do equilíbrio de poder, o fim dos partidos de oposição, por exemplo, é o truque mais antigo no manual hitleriano. Não caia nessa.
  6. Seja cuidadoso/a com a nossa língua. Evite pronunciar as frases que todos pronunciam. Reflita sobre sua própria maneira de se comunicar, mesmo que apenas queira dizer algo que todos estão dizendo. (Não use a Internet antes de ir para a cama. Retire seus aparelhos eletrônicos do quarto também. E leia.) O que ler? Talvez o "The Power of the Powerless" de Vaclav Havel, "1984" de George Orwell, "The Captive Mind" de Czeslaw Milosz, "The Rebel" de Albert Camus, "As Origens do Totalitarismo" de Hannah Arendt ou "Nothing Is True and Everything Is Possible" de Peter Pomerantsev.
  7. Proteste. Alguém tem que fazê-lo. É fácil seguir a corrente, tanto em ações quanto palavras. Pode ser muito estranho fazer ou falar algo diferente. Mas sem esse desconforto, não há liberdade. E o momento em que você estabelece um exemplo, a magia do status quo se rompe e outros seguirão.
  8. Acredite na verdade. Abandonar fatos é abandonar a liberdade. Se nada é verdadeiro, então ninguém pode criticar o poder porque não há base sobre a qual fazê-lo. Se nada é verdadeiro, então é tudo espetáculo. A maior carteira paga pelas luzes mais brilhantes.
  9. Investigue. Descubra as coisas por si mesmo. Gaste mais tempo com longos artigos. Subsidie o jornalismo investigativo assinando a mídia impressa. Perceba que algumas coisas que estão na sua tela estão lá para feri-lo/a. Marque o site PropOrNot como favorito ou outros sites que investigam promoção de propaganda estrangeira.
  10. Pratique política corporal. O poder deseja que seu corpo amoleça na cadeira e que suas emoções sejam dissipadas na tela. Vá para fora de casa. Coloque seu corpo em lugares não-familiares com pessoas não-familiares. Faça novos amigos/as e proteste com elas.
  11. Faça contato visual e bata papo. Isso não é apenas ser educado/a. É uma maneira de se manter em contato com seus arredores, quebrar barreiras sociais desnecessárias e entender em quem se deve ou não confiar. Se nós entrarmos em uma cultura de delação, você vai querer saber sobre o entorno psicológico em sua vida cotidiana.
  12. Assuma responsabilidade sobre o cara do mundo. Preste atenção nas suásticas e em outros sinais de ódio. Não mude seu olhar de direção e não se acostume com eles. Remova-os você mesmo/a e estabeleça um exemplo para outros/as.
  13. Bloqueie o Estado de partido único. Os partidos que conquistaram Estados foram diferentes anteriormente. Eles exploraram um momento histórico específico para tornar a vida impossível para seus rivais. Vote em eleições locais e estaduais até quando possível.
  14. Doe regularmente para boas causas, se você puder. Escolha uma caridade e ative a renovação automática. Você então saberá que tomou uma escolha livre e que está ajudando a sociedade civil a ajudar outros/as a fazer algo bom.
  15. Estabeleça uma vida privada. Líderes asquerosos usarão tudo o que souberem sobre você para constrangê-lo/a. Limpe seu computador de vírus e programas espiões. Lembre-se de que emails são como escrever uma mensagem aberta. Considere usar formas alternativas de Internet ou diminuir seu uso. Mantenha conversas pessoalmente. Pelo mesmo motivo, resolva pendências judiciais. O Autoritarismo funciona como um Estado chantageador, procurando pela corda para enforcá-lo/a. Tente não oferecer cordas.
  16. Aprenda com pessoas em outros países. Mantenha suas amizades ou faça novos amigos no exterior. As dificuldades daqui são elementos de uma tendência maior. E nenhum país encontrará um solução apenas por si mesmo. Garanta que você e sua família possuam passaportes.
  17. Muito cuidado com milícias. Quando os homens com armas que sempre se disseram contra o sistema começam a usar uniformes e marchar com tochas e o retrato de um líder, o fim está próximo. Quando as milícias pró-Líder e os oficiais das Forças Armadas e da Polícia se misturam, acabou.
  18. Seja reflexivo se precisa estar armado. Se você usa uma arma para seu emprego público, que Deus te proteja e te abençoe. Mas saiba que os perigos do passado envolveram policiais e soldados fazendo, um dia, coisas irregulares. Esteja preparado/a para dizer não. (Se você não sabe o que isso significa, entre em contato com o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos e pergunte sobre treinamento em ética profissional.)
  19. Seja o mais corajoso/a possível. Se ninguém está preparado para morrer pela liberdade, então todos morrermos pela não-liberdade.
  20. Seja patriota. O presidente que assumirá não é um. Seja um exemplo do que significa a América para as gerações que virão. Elas precisarão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário