segunda-feira, 29 de julho de 2019

ANTONIO PRATA Definitivo!!



As falas de Bolsonaro sobre o Inpe e Miriam Leitão são mentirosas

No final da semana passada, numa logorreia alucinante que fez Homer Simpson parecer um Bertrand Russell, Bolsonaro disse que os dados do Inpe sobre desmatamento na Amazônia eram falsos e que os cientistas deviam estar a serviço de alguma ONG. Disse que iria fechar ou privatizar a Ancine para que não houvesse mais dinheiro público em filmes como “Bruna Surfistinha”. Disse que não existia fome no Brasil.

Disse que a jornalista Miriam Leitão participava da luta armada na ditadura e mentia sobre haver sido torturada. Por fim, Jair referiu-se aos governadores do Nordeste como governadores “de Paraíba”. 

Na primeira página de sábado (20), a Folha definiu as declarações como “controversas”. Em matéria na página A4, adjetivou “governadores de Paraíba” como uma “fala polêmica”. Qualquer fala é “controversa” ou “polêmica” desde que haja versões contrárias ou cause barulho. Se eu disser que os brancos são superiores aos negros e que as mulheres são burras, terei sido “controverso” e “polêmico”, claro, pois a ciência diz o contrário. Se quisermos ser mais precisos, contudo, devemos afirmar que fui racista e machista. 

As falas de Bolsonaro sobre o Inpe e Miriam Leitão são mentirosas. A fala sobre a Ancine é autoritária, dirigista, censora, abusiva. A fala sobre os governadores nordestinos é preconceituosa, ofensiva. Talvez por receio de parecer partidária ao qualificar as declarações do presidente com os adjetivos acima, tanto a Folha quanto outros veículos de comunicação acabam tomando o partido oposto, normalizando seus absurdos. 

Quando usamos o termo “controvérsia”, legitimamos os supostos dois lados da moeda. Batizar uma mentira de “polêmica” é dar 50% de credibilidade para o fato, 50% para a fraude. Os termos não são apenas vagos, eles deturpam a realidade que o jornalismo precisa reportar. 

Dados mostram que 5.653 pessoas morreram de fome no Brasil, em 2017. Décadas de trabalho sério evidenciam que os cientistas do Inpe não forjam seus estudos a serviço de ONGs. Existem provas e testemunhas de que Miriam Leitão nunca participou da luta armada, foi torturada e presa numa cela, nua, com uma jiboia, aos 19 anos. (Sobre este último requinte de sadismo, Bolsonaro declarou, meses atrás: “Coitada da cobra”). 

Há tanta “controvérsia” sobre estes fatos quanto há sobre a segurança das vacinas e a circunferência da Terra. Cabe ao jornalismo afirmar com todas as letras que os que discordam de tais afirmações estão errados —e quando eles sabem que estão errados e mesmo assim emitem tais opiniões, é preciso dizer que eles mentem.

Há, por trás destas questões, uma outra. Como fazer um jornal (ou uma TV) que vive de assinaturas (ou audiência) e publicidade, buscando o maior número possível de pontos de vista, numa época em que estes pontos de vista incluem movimentos antivacina, terraplanismo (!), machismo, racismo, homofobia e até mesmo Olavo de Carvalho (!!!)? Ao meu ver, não é alargando as fronteiras do aceitável, mas fincando os pés na tradição iluminista, democrática, civilizatória. Se o mundo está ficando louco, não convém à mídia enlouquecer para acompanhar a tendência?

A imprensa, a ciência e a arte, os três maiores alvos do populismo autoritário que se espalha pelo globo, têm entre si um denominador comum: a busca pela verdade. Nestes seis meses de obscurantismo galopante, no Brasil, a Folha tem sido um pilar fundamental deste tripé: que não tenha medo de reportar a mentira, a ofensa, a burrice e o autoritarismo nos próximos três anos e meio.

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